terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Eduardo Kaze lança livro com financiamento coletivo

Pouco menos de três meses após lançar Paris 20 – O Capítulo Perdido, escritor apresenta um novo projeto editorial, A Saga do Rivo, com auxílio de plataforma de financiamento coletivo.

Eduardo Kaze, escritor andreense, do ABC paulista, se prepara para lançar o quarto livro de sua carreira, A Saga do Rivo, desta vez de maneira diferente da convencional: utilizando o Catarse, plataforma online de financiamento coletivo. O objetivo é arrecadar R$ 3 mil até 6 de abril, data na qual o lançamento será realizado em Santo André.

“Os leitores receberão o exemplar imediatamente após a colaboração no site, assim como ingresso para a festa e um brinde surpresa”, conta Kaze. A publicação sai pela Redatoria Gonzo, com selo da editora Estranhos Atratores, e a adesão, no valor de R$ 30, deve ser realizada no site do Catarse em www.catarse.me/gonzo.

Sobre a Saga do Rivo
Em a Saga do Rivo, Kaze apresenta quatro registros realizados ao melhor estilo Gonzo Jornalismo, misturando-se à reportagem e abordando os temas travestido de personagem. Se torna jornalista e fonte na mesma medida, abandonando definitivamente a objetividade e mergulhando na mais rara imaginação. Ilustrado por André Tobias, A Saga aborda a medicamentalização da sociedade e a facilidade com a qual diagnósticos passíveis de tratamentos farmacológicos ascendem exponencialmente – tudo isso realizado literariamente por Kaze à base de experiências lisérgicas, abuso de substâncias, visitas a especialistas e entrevistas exclusivas. A edição traz ainda as reportagens Relatos do tesão adolescente, Medo e delírio em alto mar e Onde os fracos não têm voz.

Redatoria Gonzo
“A missão da Redatoria Gonzo é desenvolver formas diferenciadas de promover a literatura. Em 2017, implantamos o projeto Livros de Rua, no qual distribuímos cem exemplares de Paris 20 pela cidade, gerando uma boa repercussão. Ainda neste ano, lançamos o Capítulo Perdido e apostamos num formato editorial inovador no mercado independente: livros de bolso, com menos páginas, contando cada um uma história de cada vez sobre um universo específico dos títulos da Gonzo. A ideia é desenvolver publicações cuja periodicidade não ultrapasse os três meses entre elas”, explica Kaze.

Hoje, a média de tempo entre um livro e outro de um escritor ligeiramente prolifero no campo independente é de cerca de três anos, o que, segundo Kaze, obstaculiza a massificação do autor e sua obra. “Uma banda, por exemplo, se não lança alguma coisa nova por ano, está perdida. O sucesso de uma carreira artística, seja na modalidade que for, depende diretamente do tripé: qualidade, constância e público. Um não vive independente do outro. A luta é criar algo que atenda a essas especificações ao mesmo tempo em que as gera. É algo como trocar o pneu com o carro andando, mas seguimos em frente”.

A Saga do Rivo, compilado de reportagens de Kaze, se insere neste Universo Gonzo, hoje composto por Paris 20, Gonzo Repórter e O Enigma do Cordeiro. “Não é diferente do que ocorre nas histórias em quadrinhos. Estamos fundando um universo similar ao que já ocorre com Marvel e DC Comics: em nosso caso, textos jornalísticos se enquadram no universo do Gonzo Repórter; histórias de detetive, no Enigma do Cordeiro; e contos malditos em Paris 20. Ainda em 2018 pretendemos estabelecer um quarto pilar, que será o universo de O Poderoso Digby, que fará a vez da ficção científica na Redatoria”, antecipa o escritor, comprometido com a publicação de um título do Universo Gonzo a cada três meses.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Seu câncer é meu lucro!

Dor e desespero pelo corpo, subindo, escalando como vermes lhe brotando de feridas que cheiram a carniça. Esse cheiro agora é meu e, mesmo após  todas as dores sequentes ao primeiro encarniçado, eis que sinto, esporadicamente, o referido odor maldito. Sinto sempre ao lembrar quem eu sou e de onde vim. Sinto vontade de morrer quando estou fedendo como ele. Fedendo como ele fede no trem que, duas ou três vezes por semana, pegamos rumo ao hospital do câncer de São Paulo. O câncer fede. E cidades pequenas têm o costume de mandar seu lixo feder longe. Foi assim que acabamos extraviados para a capital.

Sinto também o nojo ao redor. Ele brota e se esconde na medida do decoro; mas existe, é visível e demonstra o patente: seres humanos fogem da dor e buscam o prazer, e isso significa ignorar o existente e relevar-se ao cômodo (um esforço ao não contato com a morte: nunca me apresentem o ruim; brindem-me com a mais adocicada ilusão e serei, eternamente, teu servo leal e dedicado).

Ela, jovem, trocando mensagens pelo celular, feliz e iludida, quer se levantar; vê o catarro escorrendo da cânula traqueotômica dele e se depositando na camisa. Ela quer sair do seu lugar - fugir para as colinas, para o vale do Rivotril ou de qualquer felicidade construída. Vê aquele plasma se manifestar por um buraco que não devia estar ali e borrar de rosa o tecido amarelo da camisa. O som do escarro é um choque e lá vem o líquido viscoso nascido de pulmões em decomposição. Tem um tumor fugindo do pescoço em forma de sangue e carne viva também. Dói como um banho de óleo fervente que nunca acaba. Como uma ferida pútrida que lhe nasce em vida. A morte, enquanto andante, a existência perdendo o sentido léxico: vai, que te é mais válido, pobre coitado...  Mas o sofrimento é invisível, pois, caso não o fosse, ver-nos-íamos todos em putrefação, e seria o odor, dele, antes um sinal de alerta a de repúdio; o complacente repúdio dos explorados que amam seus exploradores.

A primeira baixa foi a autoestima, seguiu-se a vontade de viver e o amor próprio - este tão frágil ante as infindáveis campanhas que, na medida da autopromoção baseada nos bens de consumo, são em suma a erradicação dos não-consumidores: repugnantes indivíduos que celebram a igualdade em parâmetros de justiça em tempos de meritocracia - diga-me o que tens e te direi quem és, eis o novo evangelho.

Tem outras baixas também: a burocracia faz massacres, faz com que nos odiemos, coloca trabalhadores contra trabalhadores, classe igual contra classe igual enquanto, os superiores, os que não pegam filas, riem, desatadamente, entre coquetéis de camarão e doses de insolência. Eles se curam, nós, pegamos o trem... De novo, e estamos numa terça-feira agora:

Doses disso e daquilo, curativo, sacola com papéis para escarrar, deixa o carro no estacionamento para pegar a condução - pois o trânsito é pior que a lotação - e segue. Volta amanhã, de novo, e depois de amanhã, de novo. Trabalho? Quem tem um doente em casa não trabalha - e também não ganha! hahaha Que piada, você recebe tratamento de graça - claro, imposto não paga a saúde, paga a pensão dos parlamentares que se reproduziram com pessoas tão iludidas com o poder quanto a enésima potência de um Smigul do Senhor dos Anéis (meu precioso...).

Tira os dentes. Toma o antibiótico. "Senhor, a morfina é para seu bem, porque se negar a tomá-la?".
Na primeira vez que estivemos no hospital do câncer, um mendigo indicou o caminho quando, perdidos, saímos da estação das Clínicas, olhando para os lados e tentando determinar para onde ir. Me emocionei: a assistência sempre vem dos que não têm nada, pois só frente à empatia recíproca a solidariedade é possível - e somente à partir da experiência de reciprocidade é que experimentamos a solidariedade.

Ele entrou por três vezes em meu quarto, enquanto escrevia isso, para que eu lhe afrouxasse o colar que, hoje, lhe segura um cano metálico atravessando a traqueia e permite que, sem o uso dos canais do pescoço, respire - mal, muito mal...  Não é com facilidade que ele faz isso. Houveram  tempos, não muito distantes, em que sua autonomia era quase monárquica. Um rei, em seu lar, após anos de servidão numa empresa química. Anos de submissão, de plantões, de destituições do gozo do trabalho, a única atividade fundamental do indivíduo humano. Aprende-se, entretanto, a submissão com a mesma facilidade que se empreende a rebeldia e, tampouco saímos da adolescência dos desejos, estamos jogado na maturidade das imposições: relevados ao necessário, o mínimo necessário e, de resto: "deixe que nos explorem em seu nome". Oportunistas são os que, por oportuna ocasião, delimitam nossas perspectivas de existência, nossa autonomia, nosso direito de ser, como todos são por natureza, como todos deveriam ser... Livres!


sexta-feira, 6 de março de 2015

A barbárie enrustida vivenciada por selvagens ignorantes

Quem não chora não mama, diz o ditado, atestando que a vontade necessita ser declarada diante da figura que deve (e tem o direito de) satisfazer a necessidade explicitada pelo pedinte que, por regra, o é em virtude da relativa inferioridade financeira, física, intelectual ou social, determinada pressupostamente pelo provedor, em acordo tácito e de direito consuetudinário com o pedinte. Desta relação, nasce também o lucro.

Apesar de popular, a frase inicial deste texto demonstra o fundamento que a sociedade contemporânea tomou como verdade perene: um sistema econômico falho, cujo escopo é realizar o oposto ao que o termo lexicamente se propõe (ou seja, alvitra incentivar o consumo). Com isso, se fomenta o enriquecimento de classes específicas, em detrimento a outras, deixando, ainda, de lado o comprometimento com os recursos naturais do planeta, limitados e irrenováveis em curto prazo.

Neste sistema, o indivíduo não estabelecido no rol dos detentores dos meios de produção se apresenta na figura de força material, ou de trabalho, gerando a riqueza da qual somente pode usufruir provando possuir os méritos predefinidos pelos supostos gestores da sociedade – os já citados detentores. Tarefa esta tecnicamente impossível em larga escala, gerando multidões incontáveis de miseráveis de boca aberta, a esperar que lhes seja atirado algum provimento.

Ruim tal situação – de imposição invisível ao empenho social pela suposta prosperidade de um sistema que cresce unilateralmente – na qual a subsistência é recebida como graça, como brinde, como algo que se obtém gratuitamente, um presente dado por aqueles que, ao contrário do pedinte, ascenderam socialmente, pelo próprio esforço, luta e trabalho, com as bênçãos da meritocracia (isso é um engodo!).

É comum ouvir de alguém que o serviço de saúde oferecido pelo governo é gratuito. Contudo, não se coloca neste cálculo os impostos pagos em toda e qualquer ação consumidora realizada e a parcela ínfima que o trabalhador embolsa do fruto do trabalho. Na mente esfolada da plebe, ferida propositalmente pela nobreza, o dado é menos percebido que o recebido. Os impostos incorporados nos alimentos e produtos em geral e a exploração do trabalho, ocorrem de maneira imperceptível aos olhos do oprimido, enquanto o cuidado médico, por exemplo, o é recebido como um favor – que apesar de parco em eficiência, é aceito complacentemente (em cavalo dado não se olha os dentes).

Quando, no futuro, perscrutarem o que chamamos presente, indagarão como pudemos reproduzir a situação esdrúxula, ilusória e parcial do capital, na mesma medida que hoje nos perguntamos como um dia vivemos sem computadores, veículos motorizados, roupas de grife, aparelhos eletrônicos e sistemas tecnológicos de comunicação.

A questão é: quando a pergunta futura for proferida, a indagação presente quanto ao passado terá sido também extinta? Até que ponto nossas necessidades contemporâneas serão mantidas, e quanto serão alteradas, quando for superada a sociedade atual fundamentada na obtenção de privilégios unilaterais por parte dos detentores dos meios de produção?

Não há resposta imediata, mas é possível ter certeza de que a durabilidade dos bens que hoje, em virtude do imperativo de rotatividade da (des)economia instituída, se autodestroem (literalmente) após um certo período, não mais ocorrerá. Os serviços diretamente ligados à subsistência não mais terão um preço e a qualidade de vida será um direito, não um privilégio. Cada um dará à sociedade o que pode, recebendo de volta o que necessita. Olharemos para a Terra, finalmente, como uma parceira e usufruiremos somente o necessário, ao contrário da pilhagem ecogenocida praticada hoje. Seremos o melhor do que se designa “humano”, e relevaremos essa paródia atual de nós mesmos a um remoto passado de barbárie enrustida vivenciada por selvagens ignorantes.


Isso virá somente com a luta, não se enganem!

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Sobre porcos e porcos

Estarei morta em algumas horas, estirada no chão da avenida. É uma medida de coragem, eu diria.Mas muitos chamam de covardia. Que seja covardia então! Não é essa a minha opinião, não, não é. Tenho coragem de acreditar que viver só é válido em circunstâncias específicas, e não as terei, em breve. Ao menos tenho a decência de partir antes de meu aniversário de trinta anos.

Antes de feder.

Aos 10 anos tudo é possível. Mas 19 anos depois, a perspectiva muda. Aqui, do alto do relógio da estação da Luz, as pessoas são formiguinhas insignificantes. Se Deus existisse, certamente teria essa mesma visão de nós. Ele não tem visão de nada! Um bombeiro tentou se aproximar e perguntou a razão. Porque alguém quer tirar a própria vida? Sou tão bonita, tão jovem, porque abrir mão do presente mais precioso do universo? Não respondi. Pedi apenas que se mantivesse afastado. Isso, ou eu pularia. Ele se foi e agora um novo profissional se aproxima da pequena entrada lateral que leva ao parapeito. Um psiquiatra, com diplomas e mais diplomas, cujo nome vi num jornal e requisitei a presença. Ele quer se sentar e conversar sobre o assunto. Quer saber a mesma coisa: "porque?". Retruco a questão: "porque viver?". Ele quer saber minha história. Esmiuçar minha determinação em busca de um ponto frágil que me tire daqui. Quer fazer seu trabalho, tornar-se famoso com meu drama. Quer o que todos querem: destaque no rebanho.

Peço então que ele me conte a dele.

"Me conte algo, que lhe contarei algo", diz. Concordo, mas ele começa.

"O que você quer saber", questiona o médico.

Comece do começo. Sua mãe te cuspiu do útero, e depois.

"Depois fui criado como católico, numa cidade chamada Bauru"

Conheço essa cidade, na minha infância, visitava o sítio de um tio, nos arredores dali.

"É um lugar bonito!"

Não, não é. Ele fede mais do que tudo. Você, inclusive, tem um cheiro insuportável.

"A subida até aqui não foi fácil", conta ele.

O psiquiatra não se lembra, assim como eu, de feder na infância. O fedor vem com a maturidade. O ser humano apodrenta e passa a cheirar mal, até perecer definitivamente sob a terra. Federei apenas longe dos narizes.

Não vou esperar para começar a feder.

"Talvez, então, meu fedor seja algo além do suor de subir as escadas, tenho 49, sou, comparado a você, um velho"

E em Bauru.

"Não, não era velho em Bauru"

Quando saiu de lá?

"Aos 30"

Já se fede aos 30, você é um mentiroso. Foi com essa idade que federam pra mim pela primeira vez. Em cima de mim, bufando e cuspindo hálito de chorume. Um fedorento em uma criança limpa, inócua. Fedeu e se foi. Foi virar doutor na capital. Se destacou e esqueceu que fedia.

Ele não se lembra de feder. Eles nunca lembram. Digo a ele o nome do sítio de meu tio. O sítio que seu pai tomara de meu tio. O sítio que ele visitara e que me pedira para lhe mostrar os porcos.

Ele não se lembra.

Ele finge. Alarga o colarinho.

Os porcos foram testemunha e ele não se lembra.

O feto que caiu de mim alguns meses depois também não se lembra.

Pulo e o faço me acompanhar.

Nada é por acaso.

Nunca federei em vida.


Não como o doutor.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Por que o trabalho é um castigo?


Chego à redação por volta das 9h e lá está nossa diagramadora contabilizando as férias que pretende solicitar em janeiro. Ela me apresenta o cronograma e esclarece o método pelo qual, segundo ela, se tornará possível entregar todas as publicações da editora dentro do prazo. Há na diagramadora uma energia juvenil, é como se houvesse no âmbito do vigor uma alegria triunfante.

Penso então nas formas do trabalho e na maneira como encaramos a labuta diária.

Labuta, inclusive, é uma palavra feia. Foneticamente, pra mim, tem o som de uma chicotada ou de qualquer coisa que esfola a carne. Para o dicionário Houaiss, labuta começa como um substantivo feminino que significa “trabalho árduo e penoso, lida, canseira”. A derivação por extensão de sentido da palavra, todavia, é apontada no léxico como simplesmente “qualquer forma de trabalho”.

Em que período histórico da humanidade, então, a aflição foi convertida em sinônimo de trabalho, e vice e versa? Quando determinamos que o trabalho é necessário para a felicidade, mas que a felicidade só é obtida fora do trabalho? Por que a base da sociedade humana tem de ser uma pena para a sociedade humana, quase um castigo diário pelo qual devemos passar caso queiramos obter as coisas que nos cercam?

Karl Marx, filósofo alemão do século 19, disse certa vez que “o trabalho não é a satisfação de uma necessidade, mas um meio para satisfazer outras necessidades”. Acrescento: essas “necessidades” que buscamos saciar são parte de um processo no qual as demandas são criadas para serem perseguidas, e de repente, todos somos fisgados para uma realidade na qual a posse de um bem de consumo torna-se a necessidade em si, e o conteúdo que se dane – queremos sapatos cujo “brilho” supera a durabilidade.

Esse mesmo alemão chamou esse processo (ou algo parecido com isso! Estou um pouco confuso!) de alienação – leiam os “Manuscritos econômicos filosóficos”, de Marx, não vai arrancar pedaço e garanto que você não vai querer abrir mão da sua casa e dividir o seu dinheiro, como garantem os ideólogos do anticomunismo. O sociólogo brasileiro Ricardo Antunes, no livro “O Caracol e sua concha”, sintetizou o tema. Para ele, o ponto crucial está na centralidade do trabalho na sociedade atual. O trabalho é, segundo Antunes, um elemento historicamente determinado, essencial para a existência do homem.

Mas sem precipitações, patrões exultantes frente à afirmação, Marx complementa: “Quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando, tanto mais poderoso se torna o mundo objetivo, alheio que ele cria diante de si, tanto mais pobre se torna ele mesmo, seu mundo interior, e tanto menos o trabalhador pertence a si próprio”.

Traduzindo: quanto mais você trabalha, maior fica o bolo que você nunca irá comer.

Sem mais!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Debater é preciso (ainda mais a política)



Na última segunda-feira (1°) foi realizado, na Câmara de Vereadores de Santo André, o debate “Reforma Política – os caminhos para uma política melhor”, idealizado pelo vereador andreense Eduardo Leite, que convidou o Ponto Final para participar da empreitada, auxiliando na elaboração do tema e da lista de convidados. (Veja matéria nesta edição).

O evento lotou a Casa e foi, em quase todos os aspectos, um sucesso. Digo “quase”, pois me recordo que no período da faculdade, quando cursava Ciências Sociais na Fundação Santo André e participava de eventos com microfone aberto, já tinha a mesma impressão da obtida na Câmara: o poder de objetividade e síntese dos seres humanos, quando em grupo, é extremamente defasado – talvez isso seja um fenômeno da ansiedade gerada pelo momento, algo enraizado no medo que se pendura nos calcanhares da coragem quando se fala em grupo, e as ideias começam num lugar, e acabam noutro totalmente diferente, sem conexão entre eles.

Mas esta impressão é coisa de quem tem de “encher linguiça” na coluna do jornal, e não tira de forma alguma o mérito do evento – é preciso debater o Estado sempre, quanto mais, melhor.

Sim, o evento foi um sucesso!

A necessidade de melhorar a política brasileira é patente e isso foi consenso na ocasião, salve um adendo aqui, outro lá. Os motivos que levam a essa reforma, esses sim, foram motivo de altercações diversas. Particularmente, entendo que no interior de uma reforma, seja ela qual for, todos querem ser o “arquiteto”, garantindo com isso estabelecer os cômodos que lhes são pertinentes virados para aonde “bate sol” – neste caso, “todos” são os setores da sociedade civil, que são muitos para se elencar aqui (vamos em frente).
Reformar a política é uma necessidade, ninguém pode negar; nem condenar que cada um busque o melhor para o seu grupo, ato esse, natural dentro de um sistema político-econômico baseado em classes (e só nessas circunstâncias é natural tal impasse).

As palavras mais emitidas da noite foram “esgotado”, “moral”, “sistema” e “política”. As frases, na maioria das vezes, usavam duas delas por vez, em construções como: “É necessário recuperar a moral na política” ou “o sistema está esgotado”.

Bem, da minha parte, não acredito que o sistema (político e/ou financeiro) esteja esgotado. Para mim, nunca foi sequer coerente e, inevitavelmente está sendo exposto frente às novas possibilidades de comunicação fundadas na internet. O sistema já nasceu esgotado, uma vez que nunca, em nenhum momento da história da sociedade “moderna”, privilegiou os alicerces da civilização: o trabalhador – antes, a política está (e esteve) de mãos dadas com o capital privado e seus encantos monetários – e nessa conjectura, não é possível moralidade na política.

Contudo, mais uma vez, assim como navegar, debater é preciso, e Santo André sai na frente com suas naus, perante atitudes como as de Leite. Sim, o evento foi um sucesso!

quinta-feira, 24 de julho de 2014

A cadeira 32 está vaga

Quando em 2011 Ariano Suassuna trouxe sua aula show a São Bernardo do Campo, lembro-me de avaliar seu aspecto frágil e determinar: esse está com o pé na cova! Estava redondamente enganado. Por mais de uma hora o escritor esbanjou disposição e alegria, cravando frases certeiras e arrancando risos que nasciam aos borbotões entre as centenas de pessoas que ocupavam o Teatro Lauro Gomes. Em minha mente, ficou estabelecida a abertura do espetáculo: “Divido a humanidade em duas metades”, afirmou Ariano, “de um lado estão os que gostam de mim e concordam comigo, do outro estão os equivocados”. Naquela noite, após a aula, não sobrou um único equivocado no local.

A apresentação se encerra e uma assessora de imprensa comunica aos jornalistas: “Ariano vai receber vocês no camarim, mas sejam breves, ele está bem velhinho e muito cansado”. Mais um erro de avaliação: Suassuna respondeu às perguntas com desenvoltura, sem nenhuma partícula de canseira. Eu estava mais caído que ele.

Não havia planejado qualquer pergunta para Ariano quando seus olhos ligeiros, cobertos por aquelas sobrancelhas enormes, me encontraram entre os jornalistas. Era minha hora, mas não tinha nenhuma questão – todas as minhas dúvidas haviam se encerrado após o show. Mesmo assim, arrisquei uma pergunta: e o livro novo? A resposta foi direta: “xiii, meu filho, ta longe, nem sei se termino ele vivo”. De fato, estava certo novamente e a cadeira 32 da Acadêmia Brasileira de Letras não será mais sentada por talento igual.

Imagino agora Suassuna se explicando com Deus. “Porra Suassuna, que demora, tamo te esperando aqui faz tempo”, diz o Criador que, curioso, indaga por fim: “que te deu pra  ficar tanto no mundo?”. Ariano dá de ombros e situa: “Não sei, só sei que foi assim!”.